Segundo a reportagem, boa parte das emendas foi destinada para a compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo. O jornal teve acesso a 101 ofícios enviados por parlamentares nos últimos três meses para “ditar” como o Ministério do Desenvolvimento Regional deveria gastar os recursos disponíveis no orçamento – utilizando-se de termos como “minha cota” e “recursos a mim reservados”.
Ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) destinou R$ 81 milhões apenas à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), a estatal que controla, ao lado de outros políticos. O parlamentar também destinou R$ 10 milhões para obras e compras fora do seu estado. Dois tratores vão para cidades no Paraná, a 2,6 mil quilômetros do Amapá. Sem indagações, o governo aceitou comprar as máquinas por R$ 500 mil, quando pelo preço de referência sairiam por R$ 200 mil. Ele precisaria de 34 anos no Senado para conseguir indicar esse montante por meio da tradicional emenda parlamentar individual, que garante a cada congressista direcionar livremente R$ 8 milhões ao ano.
O governo pagou ainda R$ 359 mil ao deputado federal Lúcio Mosquini (MDB-RO), em um trator que, pelas regras normais, consumiria somente R$ 100 mil dos cofres públicos. No total, o deputado direcionou R$ 8 milhões.
Os deputados do Solidariedade Ottaci Nascimento (RR) e Bosco Saraiva (AM) direcionaram R$ 4 milhões para Padre Bernardo (GO), cidade a cerca de dois mil quilômetros de seus redutos eleitorais, para máquinas agrícolas. Se a tabela do governo fosse considerada, a compra sairia por R$ 2,8 milhões.
A negociação do Planalto ocorreu sob a promessa de apoio para eleger Arthur Lira (Progressistas-AL) à Presidência da Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao comando do Senado, em fevereiro deste ano. Entre os deputados que mais indicaram compras e obras por meio da Codevasf, em 2020, estão aliados influentes de Bolsonaro – o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, do MDB de Pernambuco (R$ 125 milhões), Lira (R$ 7 milhões) e o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas (R$ 50 milhões).
O esquema dificulta o controle do Tribunal de Contas da União (TCU) e da sociedade, além de desrespeitar leis orçamentárias, pois são os ministros que deveriam definir onde aplicar os recursos. Os acordos para direcionar o dinheiro não são públicos, e a distribuição dos valores não é equânime entre os congressistas, atendendo a critérios eleitorais. Nesta operação, só quem apoia o governo acaba saindo beneficiado.
Segundo economistas, o esquema se resume a "um mensalão disfarçado de emendas parlamentares”. Desde a publicação, as expressões “tratoraço” e "3 bilhões" viraram um dos assuntos mais comentados no Twitter. Ainda não há manifestação do Planalto nem de parlamentares governistas mencionados pela reportagem. (Do O Povo Online / Foto: Marcos Corrêa/PR)
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