Com os olhos fitos no firmamento, uma mulher, com lágrimas a lhe banhar o rosto, estática, parecia ouvir uma voz que descia das alturas. Era uma voz de criança. Perplexa, parou a respiração para escutar e não perder uma única daquelas palavras vindas do céu:
- Mamãe, eu tenho muita pena de sua solidão. Bem que poderia estar a seu lado, preenchendo este enorme vazio de seu coração. Tenho saudade dos dias que passei a seu lado. Pena que tenha sido tão pouco tempo, mas o suficiente para sentir o quanto seria grandioso o nosso amor, se não tivesse sido ceifado prematuramente.
Quando eu passeava em seu ventre, alegrava-me o seu sorriso. Não gostava de vê-la triste. Morei nos castelos que você construiu para nós. Dormi acariciado pelas suas mãos, que, me tocando levemente, de olhos fechados e com o pensamento no amor, balbuciava, carinhosamente: MEU FILHO.
Quando você afagava, abraçava e beijava meu pai, naquela união bendita que somente o amor pode consagrar, estava, ali, sorridente, entre os dois, afinal era o filho legítimo daquela sacrossanta paixão.
Ficava contente com a sua demonstração de ternura, dividindo comigo os seus sentimentos o que bebia, o que comia, seus sonhos e até o mais confidente de seus pensamentos.
Já me sentia no mundo de vocês, sugando os seios que você oferecia, brincando com os seus cabelos, agarrando-me às suas mãos que não se cansavam de me proteger e ensinar os primeiros passos. Sonhava envolvido com os brinquedos que meu pai trazia e que você, não sem antes beijá-los, entregava a Papai Noel para colorir a minha inocência.
Sentia-me feliz passeando em seu ventre, testemunhando o grande amor entre você e meu pai. Foi num desses encontros de nós três que ouvi a minha sentença de morte.
Não poderia nascer. Os preconceitos sociais não me aceitariam. Seria a grande vergonha para a sociedade que aprova o crime e repudia o amor. Apesar do impacto que senti ao ouvir a decisão, fiquei a pensar se valia à pena viver em um mundo em que se condena um inocente para esconder o delito dos que estrangulam a verdade e entronizam a mentira. Apesar da fraqueza de vocês, que se curvaram ao falho julgamento dos outros, compreendi. Continuei amando-os e os perdoei. Tive até pena da incapacidade do ser humano em lutar para preservar o que construiu com sacrifício e afeto.
Mesmo assim, fiquei triste porque em você e com você vivi meses de alegria, de sonhos e ilusões. De tão protegido em seu interior, o que ouvi julguei ser um pesadelo. Não acreditava que alguém tivesse a coragem e o poder de me agredir em suas entranhas. Para mim, estava depositado num sacrário inviolável, que nem mesmo a maldade seria capaz de me atingir.
Um dia, porém, fui cruelmente torturado. Fugi. Tentei esconder-me. Resisti, mas fui impotente para lutar contra a força organizada do mal. Agarrei-me a você, enquanto pude. Inútil, na realidade era um pequeno indefeso. Grande apenas o meu coração que precisou crescer logo para acolher o grande afeto que já sentia por você, minha mãe.
Aquela mulher pálida ouvia estarrecida a comovente confissão de revolta, amor e perdão. De súbito, como se despertasse daquele enlevo, passou, nervosamente, as mãos sobre o rosto, tentando enxugar as lágrimas de remorso que rolavam em abundância.
Parou, por um momento e, no mesmo estado de êxtase, ainda ouviu a voz do anjo, que, subindo às nuvens, concluiu:
- Não enxugue seu rosto mamãe. Deixe estas lágrimas, que brotam do mais profundo de seus sentimentos, lavar sua face sofrida. Tirar a sujeira da maldade com que o mundo a obrigou a sacrificar o seu grande amor. Deixa mamãe esta lágrima descer devagar, passeando em seu rosto, como se fosse um longo beijo de conforto e perdão.
Não expulse esta lágrima de sua saudade e do seu remorso. Permita que ela fique um pouco mais. Esta lágrima, mamãe, que teima em ficar, que não a esqueceu e aprendeu a perdoar: “SOU EU”.
Por
João Eudes Costa, membro da Academia Quixadaense de Letras (AQL)
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